Governo Lula quer definir critérios mais claros no Córtex, sistema de vigilância acusado por críticos de permitir espionagem indiscriminada
O sistema, que é conhecido como uma espécie de “Big Brother federal”, é acusado por seus críticos de permitir a espionagem indiscriminada da população — mais de 360 mil pessoas teriam sido alvo do Córtex, segundo dados do próprio governo.
O Ministério da Justiça afirmou ao Metrópoles que a ferramenta passa por auditorias rotineiramente e que, agora, está sendo elaborado um documento preparatório com objetivo de “modernizar e aperfeiçoar o sistema”.
O documento é sigiloso, mas a reportagem apurou que é desejo do ministro Ricardo Lewandowski estabelecer uma governança e definir regras claras para o uso do sistema.
O governo Lula tem sido pressionado por uma série de movimentos de direitos humanos e grupos da advocacia para que seja freado o uso indiscriminado do sistema.
Como funciona o Córtex
O sistema Córtex foi lançado experimentalmente em 2018 – ainda no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). No entanto, a ferramenta ganhou força durante o governo Jair Bolsonaro (PL) e se expandiu pelo país.
O sistema de inteligência artificial tem acesso a câmeras capazes de ler placas de veículos espalhadas país afora para rastrear alvos móveis. O programa permite, por exemplo, saber toda a movimentação de alguém em seu dia a dia.
Entre os órgãos que podem acessar essas informações, estão as polícias, o ministério público e até as guardas civis municipais.
Regras mais claras
Especialistas afirmam que o acesso a um sistema como o Córtex deveria se dar apenas no âmbito de investigações formais.
“A Constituição Federal assegura a todo cidadão a inviolabilidade de sua vida privada e de sua intimidade. Qualquer violação a um direito fundamental tem que ser necessariamente autorizada, de forma expressa e fundamentada, pela Justiça. O acesso a informações sigilosas, assim como o monitoramento de cidadãos, só é permitido em hipóteses específicas e no âmbito de investigações oficiais, regularmente instauradas”, afirma Sérgio Rosenthal, mestre em direito penal pela USP.
Especialista em direito penal econômico pela Universidade de Coimbra e IBCCrim, Dinovan Dumas segue na mesma linha e afirma que é “inviável encontrar alguma justificativa para o fato de milhares de servidores públicos terem acesso a dados extremamente sensíveis de qualquer cidadão, sem autorização e sem registro do motivo da consulta”.
“Isso não é segurança pública, é um ato de bisbilhotagem institucionalizada”, afirma o especialista.
Já o criminalista Philip Antonioli afirma que o uso indiscriminado do Córtex pode abastecer investigações privadas distantes do interesse público. “Entendo que precisamos, sim, de um serviço para consulta rápida de dados em favor da segurança pública, da sociedade. Mas, ao ampliar essas possibilidades a um número ilimitado de consulentes, podemos abrir caminho para eventuais investigações privadas, cujos propósitos podem ir muito além do interesse público”, diz.
A reportagem também conversou informalmente com policiais que admitem que pode haver ajuste no Córtex, mas alertam que burocratizar o sistema poderia dificultar investigações e favorecer o crime.