Foto: A diretora nacional de cardiologia da Rede D’Or, Olga Ferreira de Souza — Foto: Roberto Moreyra
A medicina avançou muito nas últimas décadas no diagnóstico e no tratamento das doenças cardiovasculares. Mas isso não diminuiu as preocupações da diretora nacional de cardiologia da Rede D’Or, Olga Ferreira de Souza. Para ela, ainda falta conscientização e prevenção dos fatores de risco, responsáveis, por exemplo, pelos 50 milhões de brasileiros hipertensos.
A cardiologista está em alerta pelo aumento do número de infartos em mulheres, inclusive entre mulheres jovens, o que já exigiu um posicionamento da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Segundo Souza, a genética é determinante, mas é o estilo de vida que vai definir se o problema cardíaco chegará aos 40 ou aos 70 anos. Saiba mais sobre a saúde do coração na entrevista a seguir:
É possível cuidar do coração mesmo depois de certa idade e reverter estragos?
Sempre dá. O importante é começar. A gente consegue conter certos processos no organismo, como aterosclerose, obesidade, diabetes. Então, no momento que qualquer pessoa perceber que precisa mudar os seus hábitos de vida para evitar doenças futuras, é super benéfico. Algumas pessoas começam isso mais tardiamente. Então, já tem algum grau de doença. Em algumas situações, a gente consegue estabilizar e evitar a progressão. E aí, com isso, você evita um infarto, uma doença coronariana, uma arritmia, uma hipertensão. Então, sempre é tempo.
Qual é o momento ideal?
Hoje, a gente tem uma expectativa de vida muito mais alta. Então, o ideal é que a pessoa comece a cuidar o mais cedo possível. Quem tem história familiar de infarto, de hipertensão, de diabetes, de colesterol alto, deve, assim que possível, com 15, 18 anos, já medir o colesterol e verificar a sua pressão arterial. Tardiamente, seria quando já tem alguma doença instalada, e não uma questão de idade.
O que pesa mais, o estilo de vida ou a hereditariedade? É possível superar a genética?
A hereditariedade tem um fator primordial no desenvolvimento das doenças cardiovasculares. A genética é o fator principal. Mas se você tem uma carga genética, paterna ou materna, e desde cedo tem hábitos saudáveis, faz atividade física, controla o colesterol, está dentro do peso, se alimenta adequadamente, você consegue retardar e até evitar que aquele tipo de doença genética se manifeste precocemente. Então, é evitar que um paciente tenha um infarto aos 40 anos, ou, se for ter, será numa fase bem adulta, com 70, 80 anos. Você consegue mudar a história natural da pessoa com o estilo de vida.
Um infarto aos 40 é mais mortal do que aos 70 anos?
O infarto é grave em qualquer idade, seja no jovem, no adulto, no idoso, é um evento catastrófico, e a maioria das pessoas não consegue nem ter o primeiro atendimento médico, morre antes. Nós só tratamos metade das pessoas que chega com infarto. O restante acaba morrendo antes. Daí a nossa preocupação com o número cada vez crescente da mortalidade por doenças cardiovasculares. São mais de 1 .100 mortes por dia, cerca de 46 por hora, uma morte a cada 90 segundos. As doenças cardiovasculares causam o dobro de morte daquelas por câncer, todas as causas de acidentes e violências, três vezes as doenças respiratórias e as infecções. Então, realmente é preocupante, porque apesar de todos os avanços que a gente tem vivido na medicina, na cardiologia, no diagnóstico e no tratamento, a gente não é efetivo em medidas preventivas para reduzir as doenças cardiovasculares. Nós temos bons tratamentos, mas falta investir em prevenção.
O que a senhora recomendaria em termos de exames para uma pessoa saudável que nunca teve nenhum problema cardíaco, sem histórico familiar?
Não precisa fazer exames mirabolantes, dispendiosos. Basta uma consulta médica para avaliar a presença de fatores de risco através da medida da pressão arterial, o peso, a frequência cardíaca, dosar glicose e colesterol. Isso é importante. A gente sabe que a hipercolesterolemia (colesterol alto) pode acontecer em crianças, adolescentes, a hipertensão arterial também. Hoje a gente tem uma epidemia de obesidade, até por causa do sedentarismo e da alimentação inadequada com excesso de sal e ingesta calórica. Então, se você tem histórico familiar, se seu filho ou outra pessoa na sua casa está fora de peso, essa avaliação simples deve ser feita o mais precoce possível. Exames de imagem, tomografia, ressonância, só se o médico achar aconselhável ou se já identificou alguma doença.
Hoje, qual a sua maior preocupação em relação aos problemas cardiovasculares?
Para mim, hipertensão. A hipertensão arterial hoje no Brasil é extremamente prevalente. Dá para controlar com remédio, com estilo de vida, e, mais importante, com a redução do consumo de sal. Tem dados que nos preocupam bastante: a Organização Mundial de Saúde recomenda uma ingesta em torno de 5 gramas de sal por dia, 2 gramas de sódio. Para você ter ideia, a média do brasileiro é de 10 a 12 gramas de sal. E esse é um dos fatores principais para o desenvolvimento da hipertensão arterial. Não só o sal que a gente adiciona à mesa, ao alimento, tempera, mas o sal dos alimentos ultraprocessados, que é o dia a dia hoje das grandes cidades. A maioria dos alimentos ultraprocessados tem um alto teor de sódio. O macarrão instantâneo, que é uma coisa simples, tem 1,6 gramas de sódio. É muita coisa. Então, acho importante, ações do nosso governo, das nossas sociedades, em exigir a redução do teor de sódio nesses alimentos.
O que o estresse representa para o coração?
O estresse é inevitável. Não tem como dizer que não vamos nos estressar com essa vida que levamos. Mas temos que aprender a reconhecer esses momentos de estresse e procurar um relaxamento depois. O que é o estresse? É uma reação do organismo a situações ou de risco. Ocorre o aumento do cortisol e da adrenalina, elevando, então, os batimentos cardíacos, a pressão arterial. Você fica mais ofegante, com contração muscular e essa liberação aumenta também o açúcar no sangue, favorecendo a inflamação e a obesidade. Só que gente tem esse estresse no trânsito, numa reunião, na família, o dia inteiro… O problema é o estresse crônico. Foi a uma reunião pesada e estressante? Para, ouve uma música, vai andar, faz uma oração, relaxa. Diminui o teu nível de adrenalina e cortisol para o seu organismo entender que acabou aquele momento de estresse. E tente não se estressar por coisas pequenas.
Hoje, a proporção de homens e mulheres que têm infarto é quase igual. Mas muitas ainda ainda não estão alertas sobre o risco, nem o sistema, não?
Esse é um outro ponto extremamente preocupante. A Sociedade Brasileira de Cardiologia até lançou um posicionamento este ano pelo aumento do número de infarto em mulheres, especialmente na faixa etária de 50 a 69 anos, mas também entre mulheres jovens. O infarto ou a doença coronariana da mulher muitas vezes não é provocada por uma lesão obstrutiva de uma placa dentro das grandes artérias coronárias, mas sim por uma disfunção na parede do vaso. E os sintomas normalmente são mais leves e passam desapercebidos, como sudorese, cansaço, fraqueza, um mal-estar, dor no peito atípica, falta de ar. Sinais que a paciente acaba minimizando, porque não tem aquele alerta típico de uma dor aguda no peito como o homem. Então, os sintomas não são valorizados nem tanto pelas mulheres que o sentem, nem quando chegam no atendimento médico. A mulher que apresenta qualquer sintoma e tem algum desses fatores de risco deve ser investigada para uma doença coronariana. Às vezes, preciso falar, ela é tratada como uma crise de ansiedade. Ah, está nervosa, é só uma crise de ansiedade e não se valoriza esses sintomas. É um machismo estrutural, essa ideia de achar que a mulher está fazendo drama. É um ponto que eu acho fundamental: não deixe de valorizar qualquer sintoma, e a gente só deve tratar como uma crise de ansiedade depois que investigou tudo e realmente não achou doença nenhuma.
Afinal, qual o papel do álcool nas doenças do coração?
É a pergunta de um milhão de dólares! Sobre o vinho, a gente já ouviu falar muito que é benéfico para o coração. Sabemos que ele é rico em um antioxidante que se chama reverastrol, contido na casca da uva. Dois estudos publicados esse ano mostram que o álcool tem um efeito antiestresse. Isso em dose pequena, dose moderada. Mas tem também um estudo recente que mostra que não tem nenhum benefício para o coração. E sabemos que o álcool tem uma série de efeitos danosos para o organismo. Então, usar a bebida esperando benefício para a saúde cardiovascular não é aconselhável. Tomar um vinho, tomar uma taça, porque você tem prazer, você quer relaxar, é uma coisa, mas usar para a prevenção de doenças não tem comprovação.
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FONTE: terrabrasilnoticias.com